Há exatos 30 anos, num dia como hoje, ecoavam as palavras enfáticas e eletrizantes do deputado Ulysses Guimarães: “Declaro promulgada. O documento da liberdade, da dignidade, da democracia, da justiça social do Brasil. Que Deus nos ajude para que isso se cumpra!” Era a Constituição de 1988 (a 7ª depois da Independência em 1822), que passava a reger a vida da Nação depois da longa noite de arbítrio proporcionada pela ditadura civil/militar inaugurada pelo golpe de estado de 1964, que depusera o presidente constitucional João Goulart, rasgara a Constituição de 1946 e pusera fim ao Estado Democrático de Direito.A nova Carta (feita como as demais para definir as regras do jogo pelas quais a sociedade deveria se conduzir daí para frente) traduziu o pacto social arduamente obtido a partir da correlação de forças existente ao fim da ditadura, que garantiu o maior interregno democrático vivido pelo País, em toda a sua turbulenta história institucional.A raiz desse sucesso relativo deveu-se à sua ancoragem na soberania popular, nos direitos fundamentais da pessoa humana, na justiça social, na defesa do meio ambiente, da soberania nacional e na abertura de espírito para as novas realidades culturais. Isso permitiu, até enquanto foi mantida a integridade de seus compromissos fundantes, criar as condições para a eclosão de um País democrático, tolerante, autoconfiante e pluralista, enquanto buscava resolver suas mazelas sociais recalcitrantes e os caminhos do desenvolvimento (ressalte-se que isso ficou muito comprometido depois de 2016).Infelizmente, a pressão pelas mudanças no status quo foi reativando simultaneamente resistências aninhadas nos recônditos de uma estrutura avessa à mudança e aos deslocamentos do poder real. O próprio pacto social, traduzido na nova Constituição, trouxe ambivalências notórias, como a falta de autocrítica das forças que haviam bancado a ruptura institucional de 1964.Assim, tão logo foi possível começar a desbastar a nova Carta, pelas forças inconformadas, isso logo se iniciou. Além de se travar a regulamentação da democracia participativa – uma antevisão vanguardista das novas roupagens institucionais da democracia no século XXI – as constantes emendas (mais de uma centena) à Constituição – aceleradas nos últimos dois anos – completaram o seu esvaziamento. Resta cerrar fileiras em torno do que sobrou da Constituição de 1988 e iniciar um forte movimento para cauterizar suas feridas e restabelecer sua face original. Sobretudo, reforçar seu princípio fundante: “Todo poder emana do povo, que o exerce através de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição”. Jamais o esqueçamos.
(Editorial do O POVO)
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